O
contrário de amor não é o ódio, como muitas vezes acreditamos, mas a
indiferença, a negação da existência e da humanidade da outra pessoa. Se te
amo, te reconheço enquanto ser humano. Se não te amo, te ignoro, te desprezo.
Uma das declarações de amor mais fofas que
alguém pode fazer é “eu não consigo viver sem você”, certo? O que pode ser
prova maior de amor do que essa entrega de corpo e alma a outra pessoa?
Certo?
Não, errado. Erradíssimo!
Passei
muitos anos achando que eu era uma pessoa fria, incapaz de sentimentos. Meus
ex-namorados que o digam. Eles falavam sempre em amor e em como eu era
essencial para a felicidade deles, mas nunca tive essa mesma sensação. Na minha
cabeça, isso só poderia ser falta de amor.
A
linguagem e a vida em sociedade são duas coisas muito curiosas. Ninguém nasce sabendo o que é tristeza, felicidade, ciúme,
amor. São só palavras às quais associamos significados a partir de exemplos.
Daí um dia
a gente sente uma coisa que nos deixa paralisados, frios, ensimesmados. Já
vimos antes alguém sentir algo assim e reconhecemos como sendo tristeza. Ou
sentimos falta de alguém que está longe e aprendemos a chamar de saudade.
Esse
aprender com o outro é muito prático, mas abre espaço para compreensões
distintas sobre o que é ou deixa de ser uma emoção.
O amor tem
sido tema de muitas obras de arte e entretenimento já há algum tempo.
Na maior parte delas, vem antecipado e seguido de sofrimento,
como se sofrer fosse o preço a pagar pelo êxtase de amar alguém.
Contudo, o que chamamos de amor muitas vezes não é amor.
A ficção e
a sabedoria popular com frequência nos mostram o amor como algo recheado de
fogos de artifício, um tesouro escondido para ser encontrado por duas pessoas e
só. Enquanto não achamos esse tesouro, ansiamos por ele desesperadamente, pois
somente ele poderá completar a nossa existência. Quando eventualmente o
perdemos, sentimos uma dor sem tamanho, uma falta de vontade de existir.
Lembro-me
de ouvir essa música, sobre uma moça que perde o marido para o mar e então
enlouquece esperando por ele, e achar que entendia perfeitamente o que era o
amor. Eu vivia olhando o mar da vida e esperando que um dia um barco trouxesse
alguém para me salvar.
Salvar do
quê? De uma vida sem amor.
A primeira
vez em que me apaixonei foi também a primeira vez em que chorei por alguém. Era
uma colega de escola, sétima ou oitava série. Nós sentávamos juntos, passávamos
muito tempo conversando e aos poucos fui me afeiçoando por ela. Um dia, ela me
contou sobre o peguete e a indecisão se transava com ele ou não. Eu conversei,
dei suporte, falei que ela deveria fazer o que acreditava ser o correto. Depois
fui para casa e chorei, chorei muito. O sexo ainda era uma coisa completamente
inimaginável para mim, e como cativo seguidor das referências culturais, sexo
também era o símbolo maior do amor.
De lá para
cá, sofri outras vezes por “amor”.
De lá para
cá, amei muito.
Isso
porque o amor
é um presente, não uma cobrança. Amar é querer bem, é ter
cuidado pelo outro. O contrário de amor não é o ódio, como muitas vezes
acreditamos, mas a indiferença, a negação da existência e da humanidade da
outra pessoa. Se te amo, te reconheço enquanto ser humano. Se não te amo, te
ignoro, te desprezo.
Amor é uma
coisa gostosa de sentir e também de saber que alguém sente por nós.
Quando amamos, incluímos a(s) outra(s)
pessoa(s) em nossa vida. Digo outra(s) porque amor não é algo exclusivo,
finito, que só possa ser oferecido a uma pessoa por vez.
Isso
mesmo, não importa quantos filmes nos ensinem que devemos escolher uma única
pessoa para amar, eles estão errados. Podemos amar mais e melhor.
Infelizmente,
amar mais e melhor não é fácil, a começar porque confundimos amor com prisão.
Se eu amo, devo ser amado de volta. Se eu me entrego, espero que a pessoa se
entregue também. Se eu me limito (sob a desculpa de amar), espero que a pessoa
também se limite. Logo, nessa visão de amor, amar é prender a pessoa. O que
pode ser ótimo, gostoso e excitante… por um tempo.
Aliás, uma
das piores ervas daninhas da nossa cultura é o desejo do felizes
para sempre. Nada é para sempre, crianças, nem o amor nem
nossas vidas.
Quando
achamos que algo durará para sempre, em breve começamos a exigir que seja
assim. Quando percebemos que pode não durar tanto, nossa insegurança desperta
na forma de ciúme. O “eu quero que você seja feliz” se transforma em “eu quero
que você só seja feliz comigo
“.
É desse
pensamento que surge a maldade do “eu não consigo viver sem você, amor”. Digo
maldade porque essa declaração é uma chantagem
emocional incompatível
com o que entendo por amor. Não conseguir viver sem alguém implica que essa
pessoa é responsável por cuidar de nós pelo resto da vida.
Quando
crianças, não conseguimos viver sem pessoas que se responsabilizem pela nossa
alimentação, por exemplo. Mas um dia crescemos e passamos a comer sozinhos.
Quando
adultos, não faz sentido não conseguirmos viver sem alguém que nos alimente de
amor. Faz menos sentido ainda que essa fonte de amor seja uma única pessoa.
Entretanto,
quem “ama” desse jeito amarra. Amor entre aspas não vem do carinho e do
cuidado, mas do medo de estar sozinho e do apego a alguém que por pelo menos um
instante nos aqueceu.
Amor é para ser algo sem cobranças.
Amar
somente se amado de volta é amor entre aspas.
É esse
tipo de “amor” que faz uma pessoa jogar pedras em alguém que já disse amar. Não
é o sentimento de carinho e cuidado que mudou e virou ódio, e sim a insegurança
e o medo de ficar sozinho que se transformaram em violência. O mesmo vale para
quem agride a si mesmo por um amor que deixou de estar próximo.
Amor não
precisa ser para sempre. Amor não precisa ser retribuído (mas o mundo fica
melhor se for). Amor não é dinheiro, não é moeda de troca.
Amor não é
algo para se viver entre aspas.
Texto escrito por: Tales Gubes Vaz